POVO TAPUIA

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CLEITONS TAPUIA

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Usos e funções da escrita na comunidade Tapuia do Carretão-GO por professor:Luis Antonio Vieira Tapuia


1 A fala e a escrita Tapuia

Em qualquer comunidade, a escrita e a leitura são utilizadas diariamente, e na nossa comunidade não é diferente. O povo Tapuia tem necessidade da utilização da leitura e da escrita. Em muitas das vezes, ou seja, na maioria das vezes, ela é um meio de sobrevivência em que vivemos hoje. O povo Tapuia aprendeu que para sobreviver no mundo de hoje é preciso muito mais que um bom raciocínio, é preciso saber ler e escrever.
Hoje em dia quem não tem estudo, ou seja, quem não sabe ler e escrever não consegue quase nada, que se refere a um bom emprego, não basta só ter um bom raciocínio, pensamentos lucrativos. No mundo que vivemos, cheio de tecnologia e avanços, muitas vezes, pessoas que é bem estudada não consegue compreender.
Vendo isso, o povo Tapuia notou que para acompanhar a evolução que está acontecendo hoje teria que ter estudo, para não ficar para trás, sem acompanhar sem saber o que está acontecendo no mundo exterior, ou seja, fora da aldeia. Então, os Tapuias começaram a investir no estudo, na leitura como na escrita. Se nós indígenas não investirmos nos estudos não teremos um bom emprego, não seremos aceitos no mercado de trabalho, pois para conseguir um bom emprego seja aqui ou fora da aldeia teremos que ter estudo básico e profissionalizante e ter também um bom currículo. Onde quer que vá temos que ter uma boa leitura e escrita, se vai ler um livro para compreender perfeitamente não basta só olhar, mas sim ler o que está escrito.
O povo Tapuia usa a leitura e a escrita como um meio de comunicação social e como um jeito de interagir com o mundo dentro da aldeia e também fora dela. A escrita e a leitura estão em tudo que existe, aqui na aldeia Tapuia, por exemplo: as pessoas, até por muitas vezes sem notarem, estamos utilizando a leitura e a escrita, quando estamos lendo um livro estamos utilizando a leitura, quando escrevemos uma carta, um trabalho de escola, um bilhete, um recado, estamos utilizando a leitura e a escrita, porque quando estamos escrevendo estamos lendo.  Quando a gente lê e escreve em casa, lê a bula de um remédio vendo televisão ou olhando a letra de uma canção tudo que se faz utiliza a escrita.
 O povo Tapuia utiliza a leitura e a escrita no seu cotidiano e, muitas das vezes, o povo Tapuia tem um modo diferente de ler e escrever. O povo Tapuia tem um jeito diferente de falar, assim como qualquer comunidade tem seu dialeto próprio de falar, o povo Tapuia não é diferente, os mais velhos usam palavras como por exemplo: zoi que significa olho, oreia que é orelha. Uma pessoa que não conhece o jeito diferente dos Tapuias falarem acha feio e tem até um preconceito, quando um Tapuia vai ler ou escrever sempre usa a maneira dos Tapuia, mas sempre tentando aperfeiçoar ainda mais e a cada dia mais buscar novos horizontes e um mundo que existe só no mundo da leitura e da escrita. O nosso povo percebeu que a leitura e a escrita é muito mais importantes do que se imagina; que ela serve para se comunicar até mesmo consigo, que utilizando a leitura e a escrita pode sim conquistar um mundo cheio de surpresas e curiosidades. O mundo cheio de surpresas e curiosidades quer dizer que a pessoa que sabem ler e escrever podem se comunicar com todo o mundo, a internet, por exemplo: é uma maneira de explicar, pois para acessar é necessário saber ler e escrever e, sabendo, você descobre o que acontece a sua volta e no mundo inteiro, uma carta um recado é um meio de comunicação social e é preciso saber ler e escrever.
O povo Tapuia utiliza a escrita e a leitura no seu dia a dia, todo o dia, toda a hora, num jogo de futebol, de vôlei. Quando eu falei que num jogo de vôlei ou de futebol usa a escrita e a leitura é porque um juiz escreve e também lê os nomes para dar um cartão de advertência, marcar quem fez o gol, a plateia, os espectadores leem as camisetas, os jogadores e o placar do jogo, enfim, em tudo que existe é utilizada a escrita e a leitura.
Eles também perceberam que com a escrita a gente consegue ir a qualquer lugar sem qualquer dificuldade. Quando falei que o povo Tapuia percebeu que com a escrita e a leitura consegue ir a qualquer lugar é porque para onde você for tem que ler para saber onde está indo e também tem que escrever. Sabendo disso desses dois consentimentos qualquer um iria para qualquer lugar sem a mínima dificuldade. Até mesmo falando, ouvindo uma música a escrita está presente em tudo que existe.
Então, o povo Tapuia usa a leitura e a escrita no seu dia a dia, em qualquer lugar, aonde quer que olhamos, andamos existe a escrita. Eu mesmo agora enquanto escrevo este trabalho estou utilizando a leitura e a escrita, enfim, utilizamos sim a escrita no nosso cotidiano.




1.1 Identidade linguística da comunidade Tapuia

O povo Tapuia do Carretão vive um processo de descoberta de sua língua, até poucos anos atrás o povo Tapuia afirmava que era falante do português, mas essa idéia está mudando, através de estudo e pesquisa está modificando e estão identificando como falantes do português Tapuia.
O português Tapuia é a língua usada no dia a dia, mas o próprio Tapuia não tinha noção do que é esse português, até porque tudo isso é novidade. O português Tapuia é uma fala diferenciada, e está sendo estudado pelas alunas da Licenciatura Intercultural Indígena. O povo Tapuia é descendente de cinco povos indígenas: os Karajá, Xerente, Kayapó, Javaé e Xavante, além de brancos e negros. Quando houve o aldeamento, devido à dificuldade de se comunicar, a língua que predominou foi o português. Assim afirmam alguns escritores: com o português era mais fácil de entender e comunicar-se. Desses povos que surgiu o povo Tapuia a língua que predominou também foi o português, mas dentro desse português ficaram muitas palavras oriundas desses povos indígenas citados anteriormente, apesar de ter o português como a língua de comunicação não deixou de falar essas palavras.
Após os estudos dos alunos da Licenciatura Intercultural Indígena e principalmente as pesquisa das alunas Tapuias Eunice, Silma, Maria Aparecida e Adriana que estão pesquisando sobre o português Tapuia, estão descobrindo que o povo Tapuia  fala um português diferenciado, que estamos chamando português Tapuia.
A situação sociolingüística do povo Tapuia hoje é que somos falantes do português, e com um português diferenciado que chamamos de Tapuia, não é fácil ter aceitação até mesmo pelos próprios Tapuias, muitas pessoas discriminam esse jeito de falar afirmando que é feio e mal falado, acredito que é uma idéia para ser amadurecida no dia a dia com conversa e diálogo, e a escola deve ser um intercambio para esse diálogo.     

  
1.2 O lugar da língua portuguesa na comunidade e na escola Tapuia

O Povo Tapuia do Carretão é falante do português, que é a sua língua de comunicação. Não podemos viver sem ela, por isso, que a consideramos nossa língua de comunicação. Entendo que o português Tapuia faz parte do nosso dia a dia, mas o português brasileiro é o que nós usamos na escola, em documentos, para escrever uma carta, enfim, usamos na escrita, de uma forma geral. É notório que o português ocupa um lugar muito importante na comunidade Tapuia. O povo Tapuia vive um processo de reafirmação do português Tapuia, e hoje o português brasileiro é mais usado na escrita enquanto o português Tapuia é mais usado na oralidade, ou seja, o português tapuia é usado com menos freqüência na escrita.
Muitas das vezes o português Tapuia é mal visto por alguns Tapuias que dizem que é feio e sem conhecimento, enquanto o português padrão é bonito e bem visto. Essas afirmações são ouvidas principalmente de alunos que estuda fora da aldeia e também pelos pais desses alunos,
Hoje eu sei, com os estudos na Licenciatura Intercultural Indígena e com diálogo com a comunidade que a atitude dos Tapuias com relação ao Português Tapuia, manifestada na idéia de que o Português Tapuia é feio, pode ser quebrada, por meio do ensino, pois podemos ensinar os alunos do jeito que eles acharem mais fácil de aprender. Hoje os alunos reclamam quando um professor ensina no português brasileiro, o aprendizado não é completo, mas quando é ensinado no português Tapuia o aprendizado é completo. Por outro lado, há também contradições, os pais dos alunos criticam o professor, falando que este não está ensinando direito, pois têm uma concepção que o professor que ensina bem é aquele que fala o português bem falado, ou seja, o que fala o português padrão. Alguns alunos também têm essa concepção. Eu acredito que a escola tem um papel importante, trabalhar essa questão com comunidade, pois, ainda estamos licenciando esse processo, e a comunidade ainda esta um pouco confusa o que é certo e o que é errado. Mas esse ensino português Tapuia é um direito da comunidade previsto na constituição do Brasil, desde 1988, e garantido no Estatuto do índio e nas diretrizes curriculares nacionais para a Educação Escolar Indígena, que os povos têm suas crenças e cultura isso seja ensinado nas escolas, o que torna uma educação diferenciada. E o papel da escola e mostrar essas leis que garante que o professor ensina no português Tapuia, onde alunos já expressam que entendem melhor o conteúdo, os pais às vezes não aceitam por preconceito e muitos das vezes não entendem o que e melhor para seus filhos.    

1.3 A escrita em português na tradição oral dos Tapuia

Podemos perguntar: Qual o papel da escrita em comunidade de tradição oral? O que venho observando é que o povo Tapuia faz um uso escrito da tradição oral. Mas, como isso acontece? Existem os causos que são as narrativas de historias e causos, que estão sendo registrados para não perder mais essa tradição, pois os mais velhos estão acabando e não estão contando mais esses causos e historias para as crianças.
Antigamente, essas narrativas eram transmitidas na oralidade, mas hoje vejo a necessidade de registrar essas tradições da oralidade na escrita, e vejo também que essas tradições, na maioria das vezes, são escritas no Português Tapuia, como, por exemplo, o projeto da professora Tapuia Silma Aparecida da Silva Costa (2011).
Em seu projeto de documentação das narrativas tradicionais Tapuia, a Professora Silma gravou os anciãos contando narrativas, depois transcreveu a fala do ancião, respeitando a forma falada pelo narrador. Esse projeto foi muito importante para nosso povo, pois trouxe de volta a tradição de contar histórias, já quase esquecida na comunidade, e resgatou um pouco da cultura antiga dos Tapuias. Isso demonstra o registro escrito da oralidade, como uma forma de preservação e manutenção cultural.
Sabemos que a escrita está substituindo a oralidade, através dessas histórias que antigamente era só contada e hoje esta sendo escrita, pois o que é registrado fica gravado, só na oralidade cai no esquecimento, por isso que é importante registrar.

O Povo Tapuia do Carretão vive um processo muito importante de resgate de sua cultura  e a escola está sendo um aliado muito forte para esse trabalho. Falo isso, porque a escola está dentro da terra indígena e todos os professores são Tapuia. Com isso, os jovens não sentem vergonha de sua cultura e não têm nenhum problema de afirmar que é Tapuia. Também o projeto do professor Tapuia Wellingto Vieira Brandão (2011). Adornos Corporais, Pintura Corporal E A Dança Tradicional Tapuia, vem ajudando muito nesse resgate da cultura de nosso povo.
A escrita também faz parte desse resgate, pois foi através da escrita que o povo Tapuia se encorajou para se afirmar Tapuia. Antes, os Tapuias não tinham muito estudo e não faziam uso do pouco que tinham. Viviam no anonimato e quase ninguém sabia da existência dos Tapuias do Carretão, em Goiás. A escrita mudou essa realidade de nosso povo. A história do Povo Tapuia está registrada e todos conhecem nossa historia.

2. Usos e funções da escrita na comunidade Tapuia do Carretão-GO

Hoje em dia, a escrita está mais presente na comunidade Tapuia, mas até alguns anos atrás não tinha tanta importância como hoje, pois quase não havia oportunidade de trabalho em que se usasse a escrita. Os trabalhos eram somente de serviços de roças.
Os mais velhos, até pouco tempo, faziam uso somente da fala para se comunicar. A escrita não tinha um significado importante para o povo, talvez um ou outro usasse desse instrumento para escrever um bilhete, um convite de reza etc, mas não usava a escrita como um meio de trabalho.
Agora, na comunidade, independente do tipo de trabalho das pessoas, a escrita faz parte do nosso cotidiano e a comunidade faz muito uso dela. Os jovens escrevem alguns recados, cartas para amigos, namorados e outros; as crianças escrevem alguma brincadeira do dia-dia, cartinhas e convites. Os adultos usam a escrita em função do trabalho e também da necessidade de comunicação com a FUNAI, FUNASA, SEDUC etc. São poucos os idosos acima de 60 anos de idade que sabem ler e escrever. Em geral, os mais velhos têm contato com a escrita, por meio de algum recado, algum pedido de oração, mas, por não saberem ler nem escrever, pedem aos jovens ou aos professores para que leiam ou que escrevam para eles. Não se percebe distinção entre a escrita dos homens e a escrita das mulheres, seja qual for a sua faixa de idade: crianças, jovens, adultos ou mais velhos.
Para descrever as práticas socioculturais escritas na comunidade Tapuia, comecei a observar a fala no dia-dia dos Tapuias, a partir de algumas situações, como festas, aulas e interações na escola fora da sala de aula, interações na igreja e em reuniões. Enfim, queria notar como cada um falava, em diferentes situações de interação social, para verificar se a escrita dos Tapuias era igual a sua fala.
Depois, conversei com vários deles, desde os mais velhos até os mais novos, para saber o que pensam sobre a escrita e sobre a escrita no Português Tapuia. Por fim, recolhi na comunidade vários tipos de escrita para completar minha análise.
Nesta parte do trabalho, relatamos os resultados de pesquisa do projeto extraescolar, realizado na comunidade Tapuia do Carretão-GO, entre 2009 e 2012, com o objetivo de verificar quais são os usos e quais são as funções da escrita na comunidade Tapuia.  

2.1 A escrita escolar e a escrita na escola

Na escola, encontram-se muitos gêneros textuais, bem diversificados: são recados para os professores, cardápio semanal de merenda, convites para festa ou outras eventualidades, inclusive fora da terra indígena, que são anexados no mural da escola. Esses convites ou recados na escola são todos escritos na forma padrão, pois quem escreve esses convites e recados são os funcionários da escola e eles procuram escrever no português padrão, pois se alguém notar um erro de português irá criticar, e também as pessoas que visitam a escola, se notarem erro de português irão criticar o professor, afinal essas pessoas não sabem o que seria esse português Tapuia.
Durante minha pesquisa percebi que na escola, além de ser um lugar onde se encontram todos os gêneros textuais é também o local onde a escrita ajuda a resgatar a memória e a cultura do Povo Tapuia. Por meio da escrita, está sendo registrando a história do povo Tapuia. A escola não é apenas um local para transmitir o conhecimento, mas o lugar onde à epistemologia é construída junta e a escrita é parte desse processo. A seguir são exemplos de alguns recados que são anexados no mural e paredes da escola.






Figura 7: Convite para uma reza, escrito no quadro negro da escola, pela Ministra da Eucaristia e Professora da escola Tapuia, Silma Aparecida da Silva Costa.


2.2 A escrita na comunidade

A comunidade Tapuia usa a escrita no dia a dia, e os gêneros textuais são os mais diversos, como, por exemplo, os convites – de casamentos, de chá de panela, chá de berço, para as reuniões e festas da comunidade. Na maioria das vezes, os convites são digitados, mas ainda existem alguns que são manuscritos. Em geral, os convites de reza e de reuniões é que são manuscritos.
Em muitas situações, a escrita da comunidade está na escola, como é o caso da Fig. 8, por exemplo, e a escrita escolar e da escola está sempre presente em toda a comunidade. No Carretão, o escolar e o comunitário se confundem muito.

Aqui, temos um convite de casamento e dois convites de chá de panela. Estes estão um digitado e outro com uma parte digitada e a outra, no preenchimento, manuscrita.
Nessas escritas são escritas padronizadas e com detalhes na forma de escrever, na escrita da escola também são semelhantes no que se diz respeito a escrita padrão, mas são escrita sem detalhes com assuntos bem objetivos. Mais geralmente as escritas da escola são escritas pelas mesmas pessoas que escreve na comunidade.

                                                   
  Postagem por Daiane Aparecida Ferreira dos Santos Tapuia
                                                   26 de junho de 2013 Aldeia Indígena do Carretão-GO



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