1 A fala e a escrita
Tapuia
Em qualquer comunidade,
a escrita e a leitura são utilizadas diariamente, e na nossa comunidade não é diferente.
O povo Tapuia tem necessidade da utilização da leitura e da escrita. Em muitas
das vezes, ou seja, na maioria das vezes, ela é um meio de sobrevivência em que
vivemos hoje. O povo Tapuia aprendeu que para sobreviver no mundo de hoje é
preciso muito mais que um bom raciocínio, é preciso saber ler e escrever.
Hoje em dia quem não
tem estudo, ou seja, quem não sabe ler e escrever não consegue quase nada, que
se refere a um bom emprego, não basta só ter um bom raciocínio, pensamentos
lucrativos. No mundo que vivemos, cheio de tecnologia e avanços, muitas vezes, pessoas
que é bem estudada não consegue compreender.
Vendo isso, o povo Tapuia
notou que para acompanhar a evolução que está acontecendo hoje teria que ter
estudo, para não ficar para trás, sem acompanhar sem saber o que está
acontecendo no mundo exterior, ou seja, fora da aldeia. Então, os Tapuias
começaram a investir no estudo, na leitura como na escrita. Se nós indígenas
não investirmos nos estudos não teremos um bom emprego, não seremos aceitos no
mercado de trabalho, pois para conseguir um bom emprego seja aqui ou fora da
aldeia teremos que ter estudo básico e profissionalizante e ter também um bom
currículo. Onde quer que vá temos que ter uma boa leitura e escrita, se vai ler
um livro para compreender perfeitamente não basta só olhar, mas sim ler o que
está escrito.
O povo Tapuia usa a
leitura e a escrita como um meio de comunicação social e como um jeito de
interagir com o mundo dentro da aldeia e também fora dela. A escrita e a
leitura estão em tudo que existe, aqui na aldeia Tapuia, por exemplo: as
pessoas, até por muitas vezes sem notarem, estamos utilizando a leitura e a
escrita, quando estamos lendo um livro estamos utilizando a leitura, quando escrevemos
uma carta, um trabalho de escola, um bilhete, um recado, estamos utilizando a
leitura e a escrita, porque quando estamos escrevendo estamos lendo. Quando a gente lê e escreve em casa, lê a
bula de um remédio vendo televisão ou olhando a letra de uma canção tudo que se
faz utiliza a escrita.
O povo Tapuia utiliza a leitura e a escrita no
seu cotidiano e, muitas das vezes, o povo Tapuia tem um modo diferente de ler e
escrever. O povo Tapuia tem um jeito diferente de falar, assim como qualquer
comunidade tem seu dialeto próprio de falar, o povo Tapuia não é diferente, os
mais velhos usam palavras como por exemplo: zoi
que significa olho, oreia que é orelha. Uma pessoa que não
conhece o jeito diferente dos Tapuias falarem acha feio e tem até um
preconceito, quando um Tapuia vai ler ou escrever sempre usa a maneira dos Tapuia,
mas sempre tentando aperfeiçoar ainda mais e a cada dia mais buscar novos
horizontes e um mundo que existe só no mundo da leitura e da escrita. O nosso
povo percebeu que a leitura e a escrita é muito mais importantes do que se
imagina; que ela serve para se comunicar até mesmo consigo, que utilizando a
leitura e a escrita pode sim conquistar um mundo cheio de surpresas e
curiosidades. O mundo cheio de surpresas e curiosidades quer dizer que a pessoa
que sabem ler e escrever podem se comunicar com todo o mundo, a internet, por
exemplo: é uma maneira de explicar, pois para acessar é necessário saber ler e
escrever e, sabendo, você descobre o que acontece a sua volta e no mundo
inteiro, uma carta um recado é um meio de comunicação social e é preciso saber
ler e escrever.
O povo Tapuia utiliza a
escrita e a leitura no seu dia a dia, todo o dia, toda a hora, num jogo de
futebol, de vôlei. Quando eu falei que num jogo de vôlei ou de futebol usa a
escrita e a leitura é porque um juiz escreve e também lê os nomes para dar um
cartão de advertência, marcar quem fez o gol, a plateia, os espectadores leem
as camisetas, os jogadores e o placar do jogo, enfim, em tudo que existe é
utilizada a escrita e a leitura.
Eles também perceberam
que com a escrita a gente consegue ir a qualquer lugar sem qualquer
dificuldade. Quando falei que o povo Tapuia percebeu que com a escrita e a
leitura consegue ir a qualquer lugar é porque para onde você for tem que ler
para saber onde está indo e também tem que escrever. Sabendo disso desses dois
consentimentos qualquer um iria para qualquer lugar sem a mínima dificuldade. Até
mesmo falando, ouvindo uma música a escrita está presente em tudo que existe.
Então, o povo Tapuia
usa a leitura e a escrita no seu dia a dia, em qualquer lugar, aonde quer que
olhamos, andamos existe a escrita. Eu mesmo agora enquanto escrevo este
trabalho estou utilizando a leitura e a escrita, enfim, utilizamos sim a
escrita no nosso cotidiano.
1.1
Identidade linguística da comunidade Tapuia
O povo Tapuia do
Carretão vive um processo de descoberta de sua língua, até poucos anos atrás o
povo Tapuia afirmava que era falante do português, mas essa idéia está mudando,
através de estudo e pesquisa está modificando e estão identificando como
falantes do português Tapuia.
O português Tapuia é a
língua usada no dia a dia, mas o próprio Tapuia não tinha noção do que é esse
português, até porque tudo isso é novidade. O português Tapuia é uma fala
diferenciada, e está sendo estudado pelas alunas da Licenciatura Intercultural
Indígena. O povo Tapuia é descendente de cinco povos indígenas: os Karajá,
Xerente, Kayapó, Javaé e Xavante, além de brancos e negros. Quando houve o
aldeamento, devido à dificuldade de se comunicar, a língua que predominou foi o
português. Assim afirmam alguns escritores: com o português era mais fácil de
entender e comunicar-se. Desses povos que surgiu o povo Tapuia a língua que predominou
também foi o português, mas dentro desse português ficaram muitas palavras
oriundas desses povos indígenas citados anteriormente, apesar de ter o
português como a língua de comunicação não deixou de falar essas palavras.
Após os estudos dos
alunos da Licenciatura Intercultural Indígena e principalmente as pesquisa das alunas
Tapuias Eunice, Silma, Maria Aparecida e Adriana que estão pesquisando sobre o
português Tapuia, estão descobrindo que o povo Tapuia fala um português diferenciado, que estamos
chamando português Tapuia.
A situação
sociolingüística do povo Tapuia hoje é que somos falantes do português, e com
um português diferenciado que chamamos de Tapuia, não é fácil ter aceitação até
mesmo pelos próprios Tapuias, muitas pessoas discriminam esse jeito de falar
afirmando que é feio e mal falado, acredito que é uma idéia
para ser amadurecida no dia a dia com conversa e diálogo, e a escola deve ser
um intercambio para esse diálogo.
1.2
O lugar da língua portuguesa na comunidade e na escola Tapuia
O Povo Tapuia do
Carretão é falante do português, que é a sua língua de comunicação. Não podemos
viver sem ela, por isso, que a consideramos nossa língua de comunicação.
Entendo que o português Tapuia faz parte do nosso dia a dia, mas o português
brasileiro é o que nós usamos na escola, em documentos, para escrever uma
carta, enfim, usamos na escrita, de uma forma geral. É notório que o português
ocupa um lugar muito importante na comunidade Tapuia. O povo Tapuia vive um
processo de reafirmação do português Tapuia, e hoje o português brasileiro é
mais usado na escrita enquanto o português Tapuia é mais usado na oralidade, ou
seja, o português tapuia é usado com menos freqüência na escrita.
Muitas das vezes o
português Tapuia é mal visto por alguns Tapuias que dizem que é feio e sem
conhecimento, enquanto o português padrão é bonito e bem visto. Essas
afirmações são ouvidas principalmente de alunos que estuda fora da aldeia e
também pelos pais desses alunos,
Hoje eu sei, com os
estudos na Licenciatura Intercultural Indígena e com diálogo com a comunidade que
a atitude dos Tapuias com relação ao Português Tapuia, manifestada na idéia de
que o Português Tapuia é feio, pode
ser quebrada, por meio do ensino, pois podemos ensinar os alunos do jeito que
eles acharem mais fácil de aprender. Hoje os alunos reclamam quando um
professor ensina no português brasileiro, o aprendizado não é completo, mas
quando é ensinado no português Tapuia o aprendizado é completo. Por outro lado,
há também contradições, os pais dos alunos criticam o professor, falando que
este não está ensinando direito, pois têm uma concepção que o professor que ensina bem é aquele que fala
o português bem falado, ou seja, o
que fala o português padrão. Alguns
alunos também têm essa concepção. Eu acredito que a escola tem um papel
importante, trabalhar essa questão com comunidade, pois, ainda estamos
licenciando esse processo, e a comunidade ainda esta um pouco confusa o que é
certo e o que é errado. Mas esse ensino português Tapuia é um direito da
comunidade previsto na constituição do Brasil, desde 1988, e garantido no
Estatuto do índio e nas diretrizes curriculares nacionais para a Educação
Escolar Indígena, que os povos têm suas crenças e cultura isso seja ensinado
nas escolas, o que torna uma educação diferenciada. E o papel da escola e
mostrar essas leis que garante que o professor ensina no português Tapuia, onde
alunos já expressam que entendem melhor o conteúdo, os pais às vezes não
aceitam por preconceito e muitos das vezes não entendem o que e melhor para
seus filhos.
1.3
A escrita em português na tradição oral dos Tapuia
Podemos perguntar: Qual
o papel da escrita em comunidade de tradição oral? O que venho observando é que
o povo Tapuia faz um uso escrito da tradição oral. Mas, como isso acontece?
Existem os causos que são as narrativas de historias e causos, que estão sendo registrados
para não perder mais essa tradição, pois os mais velhos estão acabando e não
estão contando mais esses causos e historias para as crianças.
Antigamente, essas
narrativas eram transmitidas na oralidade, mas hoje vejo a necessidade de
registrar essas tradições da oralidade na escrita, e vejo também que essas
tradições, na maioria das vezes, são escritas no Português Tapuia, como, por
exemplo, o projeto da professora Tapuia Silma Aparecida da Silva Costa (2011).
Em seu projeto de
documentação das narrativas tradicionais Tapuia, a Professora Silma gravou os
anciãos contando narrativas, depois transcreveu a fala do ancião, respeitando a
forma falada pelo narrador. Esse projeto foi muito importante para nosso povo, pois
trouxe de volta a tradição de contar histórias, já quase esquecida na
comunidade, e resgatou um pouco da cultura antiga dos Tapuias. Isso demonstra o
registro escrito da oralidade, como uma forma de preservação e manutenção
cultural.
Sabemos que a escrita
está substituindo a oralidade, através dessas histórias que antigamente era só
contada e hoje esta sendo escrita, pois o que é registrado fica gravado, só na
oralidade cai no esquecimento, por isso que é importante registrar.
O Povo Tapuia do
Carretão vive um processo muito importante de resgate de sua cultura e a escola está sendo um aliado muito forte
para esse trabalho. Falo isso, porque a escola está dentro da terra indígena e
todos os professores são Tapuia. Com isso, os jovens não sentem vergonha de sua
cultura e não têm nenhum problema de afirmar que é Tapuia. Também o projeto do
professor Tapuia Wellingto Vieira Brandão (2011). Adornos Corporais, Pintura
Corporal E A Dança Tradicional Tapuia, vem ajudando muito nesse resgate da
cultura de nosso povo.
A escrita também faz
parte desse resgate, pois foi através da escrita que o povo Tapuia se encorajou
para se afirmar Tapuia. Antes, os Tapuias não tinham muito estudo e não faziam
uso do pouco que tinham. Viviam no anonimato e quase ninguém sabia da
existência dos Tapuias do Carretão, em Goiás. A escrita mudou essa realidade de
nosso povo. A história do Povo Tapuia está registrada e todos conhecem nossa
historia.
2. Usos e funções da escrita na
comunidade Tapuia do Carretão-GO
Hoje em dia, a escrita
está mais presente na comunidade Tapuia, mas até alguns anos atrás não tinha
tanta importância como hoje, pois quase não havia oportunidade de trabalho em que
se usasse a escrita. Os trabalhos eram somente de serviços de roças.
Os mais velhos, até
pouco tempo, faziam uso somente da fala para se comunicar. A escrita não tinha
um significado importante para o povo, talvez um ou outro usasse desse
instrumento para escrever um bilhete, um convite de reza etc, mas não usava a escrita
como um meio de trabalho.
Agora, na comunidade, independente
do tipo de trabalho das pessoas, a escrita faz parte do nosso cotidiano e a
comunidade faz muito uso dela. Os jovens escrevem alguns recados, cartas para
amigos, namorados e outros; as crianças escrevem alguma brincadeira do dia-dia,
cartinhas e convites. Os adultos usam a escrita em função do trabalho e também
da necessidade de comunicação com a FUNAI, FUNASA, SEDUC etc. São poucos os
idosos acima de 60 anos de idade que sabem ler e escrever. Em geral, os mais
velhos têm contato com a escrita, por meio de algum recado, algum pedido de
oração, mas, por não saberem ler nem escrever, pedem aos jovens ou aos professores
para que leiam ou que escrevam para eles. Não se percebe distinção entre a
escrita dos homens e a escrita das mulheres, seja qual for a sua faixa de
idade: crianças, jovens, adultos ou mais velhos.
Para descrever as
práticas socioculturais escritas na comunidade Tapuia, comecei a observar a
fala no dia-dia dos Tapuias, a partir de algumas situações, como festas, aulas
e interações na escola fora da sala de aula, interações na igreja e em reuniões.
Enfim, queria notar como cada um falava, em diferentes situações de interação
social, para verificar se a escrita dos Tapuias era igual a sua fala.
Depois, conversei com
vários deles, desde os mais velhos até os mais novos, para saber o que pensam
sobre a escrita e sobre a escrita no Português Tapuia. Por fim, recolhi na
comunidade vários tipos de escrita para completar minha análise.
Nesta parte do trabalho,
relatamos os resultados de pesquisa do projeto extraescolar, realizado na
comunidade Tapuia do Carretão-GO, entre 2009 e 2012, com o objetivo de
verificar quais são os usos e quais são as funções da escrita na comunidade
Tapuia.
2.1 A escrita escolar e
a escrita na escola
Na escola, encontram-se
muitos gêneros textuais, bem diversificados: são recados para os professores,
cardápio semanal de merenda, convites para festa ou outras eventualidades, inclusive
fora da terra indígena, que são anexados no mural da escola. Esses convites ou
recados na escola são todos escritos na forma padrão, pois quem escreve esses
convites e recados são os funcionários da escola e eles procuram escrever no
português padrão, pois se alguém notar um erro de português irá criticar, e
também as pessoas que visitam a escola, se notarem erro de português irão
criticar o professor, afinal essas pessoas não sabem o que seria esse português
Tapuia.
Durante minha pesquisa
percebi que na escola, além de ser um lugar onde se encontram todos os gêneros
textuais é também o local onde a escrita ajuda a resgatar a memória e a cultura
do Povo Tapuia. Por meio da escrita, está sendo registrando a história do povo
Tapuia. A escola não é apenas um local para transmitir o conhecimento, mas o lugar
onde à epistemologia é construída junta e a escrita é parte desse processo. A
seguir são exemplos de alguns recados que são anexados no mural e paredes da
escola.
Figura 7: Convite
para uma reza, escrito no quadro negro da escola, pela Ministra da Eucaristia e
Professora da escola Tapuia, Silma Aparecida da Silva Costa.
2.2
A escrita na comunidade
A comunidade Tapuia usa
a escrita no dia a dia, e os gêneros textuais são os mais diversos, como, por
exemplo, os convites – de casamentos, de chá de panela, chá de berço, para as
reuniões e festas da comunidade. Na maioria das vezes, os convites são
digitados, mas ainda existem alguns que são manuscritos. Em geral, os convites
de reza e de reuniões é que são manuscritos.
Em muitas situações, a
escrita da comunidade está na escola, como é o caso da Fig. 8, por exemplo, e a
escrita escolar e da escola está sempre presente em toda a comunidade. No
Carretão, o escolar e o comunitário se confundem muito.
Aqui, temos um convite
de casamento e dois convites de chá de panela. Estes estão um digitado e outro com
uma parte digitada e a outra, no preenchimento, manuscrita.
Nessas escritas são
escritas padronizadas e com detalhes na forma de escrever, na escrita da escola
também são semelhantes no que se diz respeito a escrita padrão, mas são escrita
sem detalhes com assuntos bem objetivos. Mais geralmente as escritas da escola
são escritas pelas mesmas pessoas que escreve na comunidade.
Postagem por Daiane Aparecida Ferreira dos Santos Tapuia
26 de junho de 2013 Aldeia Indígena do Carretão-GO
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